Aos Homens de Deus, do século presente, é vetado o ígneo desejo. As fogueiras são hoje metafóricas, tal como se deseja que seja a leitura da Bíblia. Literal é a ostracização social que advém da liberdade de dissidência. A carne assada da idade das trevas, literal, deu lugar à cozedura de intelectos numa panela de água fervente com molde de cérebro, metafórica. José Saramago não irá arder nem, tão pouco, será possível que lhe cozinhem o intelecto. Nem neste mundo nem no próximo.
José Saramago é o paradigma da defesa de Deus. A sua relação com Ele é como a de um filho que ama e admira secretamente o pai mas que padece de uma relação conturbada nos dilemas das indecisões diárias da figura paterna.
O “Evangelho Segundo Jesus Cristo” foi a toma de coragem na primeira afrontação. Questionou o Pai. Porque havia Ele de deixar que os Homens tivessem feito letra própria de uma palavra que não era a Sua? Que veleidade essa de permitir um Concilio onde foram escolhidos Evangelhos desviantes da sua Vontade? Um Criador deveria interceder e corrigir o caminho dos Homens que criou. Sente que os Homens fazem o que querem da Filosofia de seu Pai. Seja na Bíblia, em doutrina ou cultura Popular. Sente-se defraudado.
A idade não lhe esbateu a coragem de querer entender porquê. Não quer confrontar os seus irmãos. Não lhe interessa. Sabe que são inocentes mesmo quando a crueldade lhes guia a vida. A figura de Pai ausente obrigou os irmãos a fazerem as regras da Casa. Como qualquer Pai que abandona a sua Casa, levou consigo a esperança que os conselhos deixados em “post-it”na porta do frigorífico fossem suficientes e sapientes. Mas os seus filhos, feitos à Sua imagem, têm a mesma prerrogativa do abandono. As regras da Casa, escolhidas e encadernadas, foram o primeiro abandono dos conselhos do Pai. Chamam-lhe Bíblia. Disse ao irmão Carreira das Neves – “A Igreja não percebe nada de Deus”.
Mas não perdoa ao Pai. Não pelo abandono mas porque Este não lhe responde. Tinha prometido que, mesmo ausente, seria omnipresente. Que mesmo sem voz audível nunca deixaria de ser voz presente. Que a sua invisibilidade seria complementada pela luz do caminho a seguir. Mas as Regras da Casa endureciam em imputações de culpa, castigo, penitência e subjugação. Em nome de um Pai ausente e camufladas com um castrante “seria assim que ele desejaria”. Consciente do esventramento do velho “post-it” do frigorífico, não conteve a revolta. Num fôlego desabafou. È um Filho da Puta que trabalhou seis dias, descansou no sétimo e até hoje não fez mais nada. Excedeu-se na metáfora. Deus não tem mãe e o pecado original é posterior à Criação.
José que, ironicamente, tem a graça do pai do Filho do Homem é, de facto, o Guardião do Livro das Regras da Casa.
A idade mental dos irmãos mede-se pelo vociferar violento contra José quando este os questiona. Alguns já foram membros do governo e outros são eurodeputados e deputados.
É que o Livro foi escrito como arma de controlo para que os intelectualmente mais fracos pudessem mandar na Casa e dominar os irmãos que se mantêm fiéis ao “Post-it” do Pai.
Isso deixa de ser possível se o Livro é posto em cheque....ou em forma de cheque... ao Portador.