segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"Avatar" à Vontade


O "Avatar" de James Cameron caiu nas bocas do mundo. E se cai, neste caso na boca, é porque veio de cima, neste caso, da cabeça. Pelo menos da minha, caiu qualquer coisa.

No dia seguinte tinha o cérebro num loop de excertos chapados da tela. Não me peçam adjectivações nem análises. Para adjectivações teria de escrever um outro post, tão inútil quanto este, e para análises não me cabe nas parcas competências de cinéfilo assim-assim.

O que vos trago são duas ou três pequenas curiosidades banais, no entanto, só possíveis nesta experiencia de "Avatar 3D".

Todos nos já experimentámos aquele nervo miúdo que nos cerra os dentes por causa dos atrasados crónicos que insistem em entrar na sala depois de começar o filme. Jantámos a correr e queimámos a língua no café engolido de trago solitário. Corremos a comprar gomas sem tempo para critérios de escolha para depois descobrir, já dentro da sala, que as desgraçadas das azul-choque sabem a mosquitos e que as boas eram as verdes florescentes com riscas de rosa fuccia. Ainda para mais esquecemo-nos de comprar agua o que nos vai levar ao inevitável calvário da agonia da sede depois da gula. Tudo para entrar a horas na Sala, relaxar e dar de barato o bilhete.

Pequenas agruras que evoluem para a frustração total quando estamos a começar a descontrair com inicio esperado e, sem esperarmos, alguém passa em frente da Tela. Barata tonta que olha em todas as direcções, surrealmente ainda chama pelo nome do amigo em voz alta e, com pouquinho de sorte, volta para trás e vem-nos perguntar se não estamos sentados no 6C. "C"? Era onde me apetecia mandar-te sentar.

Em "Avatar" 3D não acontece. O ignóbil do atrasado passa, não em frente à tela, mas dentro da tela. Passa a fazer parte do filme. Pernicioso para o realizador mas confortável para quem assiste. Chega até a ser curiosa a sensação de conforto de ver esse personagem dentro da cena estando, de facto, fora de cena, em todos os sentidos.

Inicia-se a projecção. Sentimos os cérebro a reorientar-se para uma realidade visual incomum. A experiência 3D começou por me assustar. Se na Expo 98 quase fiquei nauseado com 10 minutos de um filme 3D com bichos marinhos á minha volta, como iria aguentar mais de 2 horas sem saco de enjoo? A sensação passa e passa-se, literalmente, para outra realidade. Um gourmet visual inesperado.

"Avatar" peca, no entanto, por alguns tiques, aqui e ali, da formatação de Hollywood. A historia de amor impossível, o crescente musical que acompanha o herói nas suas vitorias, os militares e a nação Americana e a derrota do mal material subjugado à beleza interior do homem. "Avatar" consegue, no entanto, a transmissão de uma novo conceito emocional. O conceito da importância da ligação do ser humano à natureza e à energia de todas as formas de vida.

Além do 3D esta é a verdadeira inovação de "Avatar". A historia de amor, relatada pela metáfora da paixão entre os dois protagonistas, é entre o Homem e o seu próprio planeta. A nossa relação com a energia da Terra e com todos os seus elementos, de tão evoluídos que pensamos que ficámos, é uma relação com um deus menor. Deuses maiores governam. O deus do Centro Comercial, do carro de gama alta, dos sapatos que apertam e daquela gravata que não desaperta...São tantos.

O deus menor é, no entanto, a nossa maior porta de saída para miséria emocional em que nos metemos, metendo na cabeça que até somos felizes.