Versículo # 1
Anno Domini de 1981
Joana, Joana
Acorda Joana
Agarra no ar a alma que contigo nasceu
Que separadas brotaram deste ventre meu
Que juntas farão a tua lágrima de amor
Versículo # 2
1981 – Pai Primeiro
Joana, Joana
Onde está a minha filha nascida?
Incontáveis os mosaicos que contei
Silêncio dos cigarros que me isolam nesta ilha
Perdido com tantos gelados que comprei
Para chorar ao som da primeira voz de uma filha
Versículo # 3
De Menina a Mulher
Joana, Joana
Estou para saber o que lhe deu
Não sei Filipe, coisas de miúdas
Parece que te falha a memória do mar
Que muito aprendeste de graúdas
Não te deve agora olvidar o que o mundo tem para dar
Tempos de Casacos Londrinos pelos pés
Alfa Romeo e cabelos ao ar
Não te furtes aos genes que és
Sei que por nada do mundo a deixarás de amar
Versículo # 4
Insónias de Pai
Mas Joana…
Tanto que massacras o teu corpo esguio
Que as orelhas de ouvir não se devem furar
Que pescoço de erguer não é em bicos de metal feito
O teu cabelo rapado que já não pode voar
Não são preparos de menina da Faculdade de Direito
Será Filha, a tua forma de te encontrar?
Versículo # 5
Lisboa, Menina Caloira
Esta é a Joana…
Estás convidada, partilha connosco a travessia
Quirino, Heitor e Xana, muito prazer, sou a Joana
O Marcelo até reparou no traje desalinhado
Mas existem pessoas que se destinam
Que mãos dadas fazem o caminho a ser trilhado
E amigas seremos em campos de amanhã que nos minam
Versículo # 6
Uma Salsicha na Praia
Olha Joana…
Não é possível!!!...Que salsicha é esta que o gajo traz?
Quirino, não fará mal fazer-lhe uma festinha
Que de Salsichas não somos muito entendidas
A tua vida flutua na areia da praia, assim como a minha
Não reneguemos o sol que pode vir de outras comidas
Não me quero lembrar do que não tinha
Quero viver antes da noite e depois das saídas
Versículo # 7
Sentar No Sofá
Pensa bem Joana….
A aparição será agonia, erva daninha no meu solo
Entrará de rompante, de bigode e camisa aberta
Trará consigo no arrasto, mulher já sua e filho de colo
Destroçará o teu coração, o da tua mãe pela certa
Não terá lugar no sofá sentado
Não serei complacente de simpatia, nem um pingo
Não será recebido como namorado….
Não o queres convidar para almoçar no domingo?
Versículo # 8
A Entrevista
Seja bem-vinda Dr.ª Joana
Entrará por essa porta, gabinete partilhado
Moça de Frutaria no supermercado, mas de canudo e formada
Será por mim conduzida e guiada, seu Patrono avalizado
Pouco explorada, por hora, obrigado, de nada
Pode-me tratar por Diogo, ponha o Doutor de lado
Não serei obediente mas permito ser ensinada
Pode-me tratar por Joaninha, que seja esse o meu pior fado
Versículo # 9
A Ultima Caminhada
Joana,
Joana, não chores
A chuva que não caiu, abriu pétalas de nuvens no ar
A luz da manhã era bruxuleante
Uma mulher puxava cabelos como se trabalhasse um tear
Um homem puxava gravatas com gesto pensante
Uma menina vestida de branco para casar
Uma Mãe ansiosa, de tanto pentear e penteada
Um Pai preenchido com alma arvorada
Uma noiva de lacrimejo intermitente, respiração apertada
Desceram juntos, num deslizar flutuante naquela ultima caminhada
Versículo # 10
Acelerou
Joana…Podes repetir?
Um toque, alguém do outro lado da linha
Renovado estímulo em cada nova chamada
Segue-se a aventura de algo novo que não se tinha
Abre-se o mundo, constrói-se uma outra estrada
Estas sentado? Tens de estar sentado!
Gloriosas são as notícias, vais ser Pai
Implode a fortaleza que se julgou que se tinha
Detonada por um coração demasiado acelerado
Versículo # 11
O Bife antes da Vida
Queres Bife Joana?
Bife será, que dura e longa será a tarefa que me espera
Com molho e bem passado, se não se importa
Que me importo eu com dores, passem depressa, quem me dera
Quem me manda a mim chamar o desejo por aquela porta
Numa tarde de namoros, flores e primavera
Intensos beijos, sofreguidão, amor recriado, uma hora
Nascerá em breve outro Amor, Santiago será o seu nome
Porque Maria já o era
Versículo # 12
Dr. Jorge Lima
Joana, Queres?
Quero-te comigo, segura-me a mão direita
A esquerda já foi tomada pelo soro, malvados
Sorrio por dentro com a ânsia do evento, por fora o meu corpo aceita
Serei forte pelos meus homens, nem ventos nem tornados
Rebentam-me os olhos, e o momento não nos aproveita
Está de lado e são quase dez horas, terá de ser operada
Era que mais faltava, logo eu, desistir assim
Antes explodir de dor, darei o que tenho até não ter nada
Senti tudo o que me foi dado, nasceu o Santiago
Nasceu de dentro de mim
Versículo # 13
Os primeiros meses contigo
Dorme Joana,
Confunde-se a noite e o dia, 3 horas de sono já seria cura
Mas aquele ser frágil, indefeso e de leito
Macio, olhos semi-cerrados e boca que procura
Batalha pelo seu lugar no mundo, luta pelo meu peito
Sabemos que não sabemos o futuro
Sabemos que falamos sem palavras, só pelo jeito
Sentimos que nos protegem do mundo que é duro
Sentimos o desejo de um trilho que se quer direito
E adormecemos os dois, no que sei hoje ser amor em estado puro
Versículo # 14
Ultimo de Hoje, Primeiro de Amanhã
Joana, a Mãe chama-se Joana
Palavras compostas, avulsas ou dispersas
Fotografias da minha retina ou de um outro flash
Pouco importa, porque da boca de Mãe tudo se disse em tantas conversas
Que o ouro está naquilo que sinto e que garimpo em cada novo dia que nasce
Aprenderei contigo e serei tua professora
Ensinarei os Lusíadas, que não há poema que se preze sem a Taprobana
Deixarei que sejas livre, que vivas, mas serei controladora
Santiago Maria, meu filho, a Mãe chama-se Joana