terça-feira, 16 de novembro de 2010

Crónica de uma Caderneta

Meus desconhecidos amigos. Estranha frase de abertura. Desconhecidos porque nunca vos tinha visto mais gordos (por acaso o Markl é bem mais elegante do que eu imaginava e o Palmeirim bem mais alto que a mítica imagem que explicitamente criaram na minha mente. Sacanas!). Amigos, porque a “Caderneta de Cromos” nos transporta para um delicioso lugar-comum da nossa pré-existência.

Tenhamos crescido em Alpiarça ou em Benfica, hoje, com a “Caderneta de Cromos” sentimos o conforto de nunca termos estado sozinhos nesse calvário da adolescência. Pena ser apenas hoje porque as galhetas nas fuças já ninguém nos tira. Não tem mal. A dramatização do Markl a apanhar tabefes e a fazer o transporte dessas experiências para algo de sucesso fez-me, também, sentir um John Rambo a atafulhar de pólvora um buraco na barriga, acender um fósforo e, depois de um esgar de dor, estar pronto para voltar….para o pátio de escola. Cria-se, através do humor (a mais inteligente e sensível das Artes), a marca indelével de uma geração.

Não vos deve ser alheio o desejo, tal foi a peregrina atitude de levar um programa de Rádio a um Coliseu pelas costuras, de perceber o que os sobreviventes da plateia, lugares de visibilidade reduzida e Piolho, sentiram e pensaram. Não estarei com subserviências do elogio cliché. Vocês sabem bem que correu muito bem.

Dar-vos-ei o espectáculo segundo o figurante.

Quatro “Rock-Stars” que se sentaram numa mesa para falar com os amigos. Sem pretensiosismo, despiram-se da rigidez das regras do showbiz e vestiram a pele dos figurantes. Sentamo-nos, então, todos à mesma mesa. Primeiro impacto. Já todos à mesma mesa fomos partilhando infâncias, memórias, imaginários com mais e menos intensidade. Porque se em Lisboa havia muitos “Playmobis” na província lavravam-se árvores de Grampos (que os nossos pais traziam do trabalho para encetar essa arte hoje conhecida como bricolage – nome francês tão amaricado como tantos outros, com a honrosa excepção do menage-â-trois).

Segunda vaga. Os mitos vivos. Júlio Isidro, a quem também atribuo essa espantosa metamorfose de ter passado de um homem a preto e branco a um ser de estroboscópio a cores, que nunca tinha visto ao vivo, iluminou a sala. Curiosa sensação esotérica de sentir uma aura tão potente de energia positiva à volta de uma só pessoa. As vénias que, especialmente o Pedro Ribeiro, lhe fizeram, passaram rapidamente de um suposto acto teatral a essência real de quem, acto reflexo, faz o que lhe vai na alma. Por falar em Pedro Ribeiro, e como eu o compreendo, acho que não vamos poder fazer isso ao Jesus este ano.

José Cid. Incontornável conterrâneo Ribatejano, trouxe-me a magia que sentimos quando, ao crescermos, passamos a admirar o Génio de alguém que julgávamos, na nossa “parvalescência”, obtuso e pouco “Cool”. Quem lhe conhece as virtudes sabe que, comparado com ele, pouco “Cool” é a arca Frigorifica.

Cai o Pano ou outra coisa.

Os gelados Fizz, grátis como quando roubávamos o Sr. Alfredo da Mercearia, foram um dos momentos. Certo que prejudicaram os merecidos aplausos ao Cid (excepto para quem pôs aquilo tudo na boca e ficou com a língua roxa). È que nós, os figurantes, queríamos aplaudir o artista entusiasticamente e acabámos distraídos a pedir desculpa pelos pedaços de Fizz que, com as palmas, estavam a aterrar nas pestanas dos vizinhos. È que nem todos os figurantes eram da turma dos cromos e ainda se ameaçaram uns tabefes à moda antiga.

Passado isso, saímos a sorrir com o pau na boca (cuidar esta passagem que é Mariana e imaculada) e com o calor de saber que pertencemos a uma grande e feliz família amish.

Estão reunidas, por mais macabro que pareça, as condições para criar um Partido Politico para governar o País

Em síntese, seja no Chucky Egg ou na Trampa de Pais dos nossos dias, vencem sempre os Cromos. A diferença é que uns são bons cromos e outros nem por isso.



A sério, a sério, parabéns, bem-haja e muito obrigado.

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