Começaram por ser vozes dispersas como pequenas acendalhas, abafadas e espezinhadas por uma multidão de optimismo. Há uns anos, aqui e ali, surgiam saudosistas a evocar Salazar. A multidão, essa, marchava impávida e desatenta rumo a uma terra prometida de sonhos e ilusões. Liberdade, Igualdade e Fraternidade diriam os Franceses. Carros, Casas e férias nas Caraíbas pensaram os Portugueses. Salazar? O povo é sereno, era apenas fumaça.
Hoje, de ouvidos preocupados, percebo que existe, de facto, não só fumaça, mas um foco de um qualquer fogo que pode estar para vir. Sou envolvido num negrume maior quando absorvo a transversalidade desta evocação. Portugueses de todas as classes, idades, ideologias, crenças ou em total descrença e aparente alienação vão-se multiplicando em apelos a um ente que “ponha mão de ferro nisto”. “Só lá vamos à cachaporra”, “ O Salazar é que devia cá estar” são frases vociferadas, meio a sério, meio a brincar, por cada vez mais portugueses. Preocupa-me a parte do meio a sério.
Acredito, no entanto, com excepção dos crónicos, que essa evocação é apenas um grito de desespero e que ninguém, tenha ou não vivido a 2ª República, anseie pelo regresso do presidente do conselho. Acredito, na mesma proporção, que o grito de revolta é genuíno e pasmo a minha própria alma na cedência virginal que concedo a Alberto João Jardim pela sua homilia à 4ª Republica. Não é que alguma coisa tenha de mudar, é que tudo tem mesmo que mudar.
Amanhã, dia 24 de Novembro de 2010, uma greve geral irá paralisar o Pais. A sua utilidade rima com nulidade. Sou acérrimo defensor do direito à greve mas já estamos paralisados há anos a mais. Percebo, com mágoa, que esta greve nada vai acrescentar e nada vai produzir para além da promoção das mesmas serôdias figuras que encabeçam os principais sindicatos e os mesmos actores dos diferentes partidos num reinado, alguns, quase tão prolongado cronologicamente como o do presidente do conselho. Até na forma e conteúdo deste tipo de greves estamos 20 anos atrasados.
Freitas do Amaral escreveu, sabiamente como é seu uso costume, sobre as 5 crises que atingem o País e o mundo.
Ted Sorensen, falecido no passado dia 31 de Outubro, mentor e executor dos discursos de J.F. Kennedy, escreveu para a tomada de posse do presidente dos EUA, fará 50 anos em Janeiro de 1961, o apelo “Não perguntem o que o País pode fazer por vós, perguntem o que podem vocês fazer pelo País”.
As crises têm a virtuosidade de serem um crivo onde, inevitavelmente, o joio cairá desamparado. O trigo, esse, germinará com mais força que nunca. E os Portugueses são trigo, e trigo da melhor selecção mas que tem sido esmagado por um joio secular. È tempo de darmos valor a nós próprios, de encher o peito de orgulho nas suadas de um pai que entrega o pão do dia a seu filho, de uma mãe que quebrou as barreiras do Patriarcado Social com a conquista do seu sonho profissional realizado, de um irmão que leva o nosso mais precioso produto exportável, a inteligência, a todos os cantos do mundo.
È o tempo de acreditar que somos muito melhores do que aquilo que alguns, por não o serem, nos têm feito acreditar. A essa acção já se chamou propaganda.