quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Puta que Pariu a Crise


Som de Sonar quando me preparava para rapar mais frio escravizado pelo habito do fumo. Não fumo em casa. Desde que nasceu o meu filho. Regra de ouro. Som de Sonar, telemóvel com toque armado ao pingarelho. Um amigo do outro lado. Esqueci, por momentos, os cigarros.


Carlos, meu bom amigo, como está? Estou bem. Decidi ligar-te para te desejar Feliz Ano Novo. É que amanhã é a confusão. Não se consegue ligar para ninguém, pelo menos ter uma conversa de jeito. Tens razão – anui, com um sorriso interior de alegria provocado pelo pequeno-grande gesto. Amigos são sempre poucos, amigos que mostram afectos são mais raros ainda.

Continuámos. Filhos, família, está tudo bem, ainda bem, um grande abraço, fiquei muito feliz de te teres lembrado de ligar. Mesmo com os melhores amigos não conseguimos deixar de estar formatados para aquilo que é suposto dizer, quem devemos saudar e como o devemos fazer.

Cumprido o protocolo, sou abanado por uma pergunta fabulosa. Como foi para ti 2010?

Não me estava a perguntar pela crise, não me puxava ao fado português nem me instigava para a lamúria e miséria dos costumeiros queixumes. Era uma pergunta de um amigo genuíno, inteligente e verdadeiramente interessado no meu bem-estar ao invés daqueles que nos procuram as misérias para se confortarem das suas próprias.

Respondi. Foi um ano de provação. Provação? Como assim? Olha, Carlos, foi um ano em que fui posto á prova como se estivesse num centro de alto rendimento, um ano em que errei muito, mas principalmente um ano em que, mesmo errante, procurei nunca perder o fito daquilo que é verdadeiramente importante.

E, para além da família, o que foi realmente importante, Pedro? Usar os erros em beneficio da minha aprendizagem e crescimento pessoal. As crises, sejam elas de que natureza forem, servem sempre para aprendermos a nos conhecer melhor e a ver os outros da forma como realmente são.

Na abundância nem usamos peneira. Todas as pedras nos parecem preciosas. Na escassez afagamos a nossa peneira como se a nossa vida dependesse dela ( e depende). Guardamo-la com cuidado e sem a perder, porque finalmente somos forçados a ver que existiam pedras com um brilho cativante mas que nem por isso eram preciosas.

Bem, meu amigo, desculpa a filosofia barata! Não tens nada que te desculpar. Porque achas que continuo a ligar para ti?

Um abraço Carlos. Um abraço Pedro.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Só te Faltam as Orelhas

A minha cunhada deu uma rena de peluche ao meu filho. Olhei para a criatura. A de peluche, claro. Perguntei com ânsia de pai que ouve os rascunhos das primeiras frases de um filho. “Olha o que a tia te deu! O que é?”. Olhos grandes e brilhantes, respondeu. “Usso, Papá!” Um Urso. Curioso. Supostamente era uma Rena. Voltei a olhar. Parecia um cão.


Nada como tirar isto a limpo. Leio a etiqueta para determinar a espécie.

O meu filho já brincava com outro boneco qualquer. Está na idade que eu apadrinho como a idade dos 15 segundos. Máximo de tempo de atenção para cada coisa diferente (ou mesmo para estar parado!).

Made in China. Esta parte assume-se logo. Um destes dias vai deixar de aparecer a referência ao Pais de Fabrico. Sendo sempre o mesmo para quê gastar tinta. E aqui começa a análise. Versatilidade, engenho e produção.
Para memória presente e futura. Não quero ser Chinês, não sou Apóstolo do Capitalismo Selvagem e estou muito bem no meu Pais e a minha cultura é a minha casa. Estes factos, no entanto, não me castram a admiração pela arte e engenho.
Olhei a criatura com atenção. Vários ângulos e sobrolhos depois, continuava em águas turvas. O bicho, de facto, era parecido com uma Rena, um Urso e um Cão. Só as orelhas lhe davam o legado do bicho Rena.
E aqui estava a arte e engenho. Fabricado na China, numa fúria exportadora que permite a este pais um crescimento da economia a 13% (!) ao ano, não existem cá veleidades perfeccionistas e alterações de linhas de montagem só porque uns querem uma Rena na Noruega, outros um Urso no Canada ou um Cão na Alemanha. Nós cá compramos qualquer tralha, por isso não conta. O que conta é que existe alguém com arte e engenho de fabricar o mesmo boneco e que, trocando apenas as orelhas na parte final da linha de montagem, triplica a produção.

Prevalecerá a produção massiva ou a produção personalizada? Penso que a segunda. Ou melhor, como Português defenderei acerrimamente a segunda. Mas teremos de usar as mesmas armas. Arte e engenho.

Na minha terra diz-se “ Para parvo só lhe faltam as orelhas”. Nunca percebi muito bem esta frase. Mas entendo perfeitamente o estado de parvoíce a que seremos votados (e já vamos sendo) de ver o mundo passar enquanto a nossa Arte e Engenho continua conservada em teias de aranha no baú do Velho do Restelo.