domingo, 17 de maio de 2009

Manias Muitas, Obamas Poucas

O olhar era frontal, próprio das pessoas genuínas. A voz, pese doce, era firme. O assunto, esse, era sério. Nesse fim de tarde, a minha interlocutora, fulminou-me com uma frase que não esquecerei. “Sabes Pedro, acredito na serenidade que vem da competência”.
Continuámos a trocar outras impressões, num entendimento silencioso mas consciente de que a competência, seja ela pessoal, profissional ou política, só pode, e deve, ser avaliada pelos outros, mas que a nossa serenidade interior jamais é abalada por quem nunca entendeu ou professou deste conceito.
No meu caminho para casa, não pude deixar de reflectir sobre o impacto que as competências e apetências têm na vida de cada um de nós. A forma como o nosso percurso de vida pode ser, positivamente, afectado, fazendo-nos percorrer dispersos caminhos, que em última análise, nos tragam estímulo e enriquecimento interior.
Urgia a procura de respostas. Decidi então conciliar um prazer impagável, que é empurrar o meu carrinho de bebé, num solarengo passeio pela Feira do Livro de Lisboa, com esta demanda pela excelência. Algo me fez parar. Num banco discreto, com roupagem modesta, de quem se quer camuflar na multidão, estava um homem sentado. As sobrancelhas carregam-lhe a idade e o olhar cabisbaixo, de quem se sente observado, não faziam adivinhar que, mesmo à minha frente, estava o maior pensador Português vivo. José Gil. Hesitei na abordagem, invariavelmente constrangedora, que provoca esse choque entre um anónimo e uma celebridade que não o escolheu ser. Avancei. Trocamos impressões de circunstância antes de, num fôlego de arrojo, lhe perguntar; “ O senhor é o maior pensador português vivo. Como se atinge essa excelência?”. Levantou os olhos e abriu um sorriso cúmplice, desarmando-me. Já sem armas, decidiu despir-me por completo com a resposta que me deu; “ E qual o valor de quem fez esse juízo de valor?”
Pus o livro autografado debaixo do braço e segui com aquelas palavras.
Os Homens reconheceram capacidades nos seus pares, no entanto, ao longo da Historia e ainda nos dias de hoje, essa competência ou excelência carece sempre de uma oportunidade. Era preciso “nascer com essa condição”, herdá-la ou que alguém nos abrisse uma porta, nos desse a mão e, no limite, recorrer a essa portentosa “instituição” que é a “cunha” para, só depois, se poder pôr em prática as capacidades e competências de cada um.
Basta que nos lembremos que no Século XVIII o Maestro Salieri era uma celebridade e que Mozart apenas mais um compositor de Viena.
Torna-se cada vez mais claro que o sistema está ao contrário. E a política, assim como a forma de a fazer, também estará. Esse mítico mundo da política, que não é mais do que o espelho do que somos enquanto sociedade, para as coisas boas e para as más, está a mudar de forma profundamente suave. A novidade não está na mutação, está no “profundamente suave”. O mundo, afinal, muda todos os dias, e a política sendo parte integrante dessa sinfonia de vontades, sensibilidades e visões que o Homem projecta num mundo que não escolheu para viver, deveria ser a batuta certeira, de equilíbrio reconfortante. Mas ainda não o é.
Nos nossos dias nasce o conceito de “Meritocracia” personificada, recentemente, em “Obamania”. De facto, há 8 anos atrás, um Afro Americano de nome Barak Obama, apanhou um avião para poder participar na Convenção Democrática dos Estados Unidos da América. Negaram-lhe o acesso à convenção. Ficou, sozinho, a ver a convenção pela televisão. Mas isso não lhe pôs freio aos sonhos, não lhe guilhotinou a vontade. Continuou a trabalhar, estar junto do povo e, principalmente a acreditar. Hoje é Presidente. Já fazemos homenagens a personagens que ainda não morreram, festejamos o novo nome de uma Avenida ao lado do homem que lhe dá nome e, aos poucos, largamos o pudico crivo da Historia para reconhecer os nossos pares durante o seu tempo útil de vida.

O futuro próximo, da política e dos políticos, será similar. Será esta a revolução que sucede a Abril. A revolução suave, pese embora profunda, de acreditar e trabalhar com mérito para poder dar a quem vota uma escolha que, cada um de nós, sinta como verdadeiramente sua e não como algo em “segunda-mão”.

Obama não foi só mania, porque as manias de hoje não nos trarão Obamas amanhã.

Pedro Miguel Gaspar